A FESTA DO DOIS DE JULHO E O PATRIOTISMO BAIANO





A comemoração que ocorre em dois de julho, na Bahia, é uma grande festa que resgata uma importante passagem da História nacional. Foi nesse dia, do ano de 1823, que se deu a entrada das tropas libertadoras brasileiras, ou Exército Pacificador, pela estrada das Boiadas (hoje Estrada da Liberdade), na Cidade de Salvador, cuja ocupação era feita pelos portugueses.



Desse feito, Salvador foi reconquistada pelo exército brasileiro e, além disso, foram alcançadas a liberdade e a vitória sobre o exército lusitano. Uma abordagem sobre a guerra, que consumiu recursos, vidas e sossegos na província é feita por Melo Morais Filho:



Nada existe de mais lúgubre do que o frontispício da Liberdade. ao fita-lo, a vista maravilha-se diante de residências desesperadas, de corpos baleados que se ergue a meio e tombam no chão ensangüentado, de membros mutilados sob a roda pesada das carretas, de corcéis que pulam sem dono por sobre montões de cadáveres, até que lá, na extrema, ao marche-marche dos batalhões, ao disparar da fuzilaria, uma bandeira rota fluctua, em sinistra muralha negra fortificação, arvorada pelo vencedor que, tendo na mão a espada, agita aos quatro ventos o estandarte victorioso, parecendo, na animação feroz levantar vivas á Pátria e a Liberdade. (FILHO, 1946, p. 111)



O seu caráter de evento cívico e de data magna na Bahia se deve por representar nossa Independência constituindo, assim, um ciclo de festas, que são celebradas em homenagem às tropas do Exército e da Marinha Brasileiros que, por meio de fortes lutas, conseguiu separar-se definitivamente dos domínios de Portugal.



Pode- se dividir esse momento histórico em duas fases: a primeira onde as operações de guerra seguiram iniciativas locais sob controle geral do Conselho Interino, comandado pelo Coronel Miliciano Santinho, por Joaquim Pires de Carvalho e por Albuquerque de Ávila Pereira, que seria depois O Visconde de Pirajá; e uma segunda fase comandada pelo General Pedro Labatut, no período entre junho e outubro de 1822, fazendo surgir diversos batalhões, comandados pelo proprietário capitão Antônio de Bittencourt Berenguer César e outros comandantes. Foi em um desses batalhões que participou Maria Quitéria, escrevendo seu nome na história da história da Bahia.



Foi preciso uma série de choques bélicos para que a ideologia da Independência da Bahia alcançasse êxito. Ocorreu, dentre eles, os mais importantes da história, como a batalha de Pirajá (na área de Cabrito – Campinas – Pirajá), As Posições do Exército Brasileiro, a Deposição de General Labatut, e por fim a Libertação da Bahia.



O Dois de Julho ficou na reverência patriótica dos baianos, que desde então passaram a cumprir uma tradição de comemorá-lo anualmente, com a repetição do percurso feito pelo exército pacificador da cidade, como aborda Tavares:



No dia dois de julho de 1823 entrou na cidade de Salvador o exército brasileiro. Veio uma parte pela estrada das Boaiadas (Liberdade) passando pela Lapinha e Soledade, alcançando o Santo Antônio, Carmo, Pelourinho, Terreiro de Jesus, Sé e Praça da Câmara (Praça Municipal). (1987, p.136)



À tarde, após o Te Deum (que trata-se de uma cerimônia que segue a tradição religiosa, desde 1823 e em latim significa "A Vós, Ó Deus, Louvamos e Agradecemos".)o cortejo sai novamente depois de uma parada para que autoridades políticas se pronunciem, e para que o povo contemple a figura dos caboclos. A chegada do caboclo no campo grande é saudada com palmas, bandas de música, discursos de autoridades e celebridades. Desse modo, recorremos a Jorge Amado que define exemplarmente esta dinâmica:



(...) à tarde o cortejo segue rumo ao Campo Grande, onde no momento há uma cerimônia cívica em homenagem ao caboclo, é um dia alegre, muito baiano na sua jovialidade e no seu culto á liberdade. Ha um verso muito repetido sobre o Dois de Julho que diz que o sol de Dois de Julho brilha mais que o de primeiro, verdade, porém é que quase sempre chove. (1981, p.157)



Hildegardes Viana faz uma análise do evento após a chegada no Campo Grande:

A base do monumento aos heróis do Dois de Julho, replica do caboclo, inaugurado em 1895 em memória do grande feito, o governador dirige-se ao povo, enquanto os “emblemas” são colocados em pavilhões adrede preparados. Há uma festa no campo grande, ate o dia 05, quando se realiza a “Volta dos Caboclos” para a Lapinha, desfile exclusivamente popular. Os festejos se encerram com uma romaria cívica ao Panteon de Pirajá falando um orador designado pelo instituto histórico.(HIDELGARDES, 1983, p. 35)



As figuras simbólicas do Caboclo e da Cabocla foram incorporadas ao cortejo junto com bandos representando os batalhões patrióticos que lutaram pela independência da Bahia. Acompanham o cortejo ainda grupos colegiais, associações de moradores, agremiações e forças militares. Usa-se cores que representam as utilizadas na bandeira do Brasil e da Bahia, num sinal de nacionalidade, assim como nos bairros onde o cortejo passa pela maioria das residências e comércios que enfeitam suas fachadas com bandeirolas verdes e amarelas, ou vermelhas e azuis, flores ou palhas. Nas ruas vê-se crianças e populares fantasiados de vaqueiros, índios ou de personagens que compuseram a história da festa, dando-lhe assim uma característica única de comemoração cívica e ao mesmo tempo folclórica.



Hoje, a festa de dois de julho, perdeu um pouco das características originas, como a presença dos bandos anunciadores e o uso de roupas brancas pelos populares, (com exceção dos puxadores dos carros emblemáticos). Por outro lado, mantém-se ainda a ornamentação das ruas da lapinha até o terreiro de Jesus com enfeites nas casas e todo tipo de adorno que embeleze a comemoração. A festa, com o tempo, transformou-se num momento cívico e de protestos sociais e políticos. Alguns grupos questionam e reivindicam seus direitos políticos, fazem pomposos discurso, uma vez que o dois de julho é um momento em que se pode unir as questões cívicas e de cunho libertário já que todos desfrutam juntos dessa grande festa. Recorremos a Wlamyra, que faz uma abordagem política do cortejo:



Esta diversidade de formas celebrativas, contemplando grupos sociais distintos, demonstrava que o Dois de Julho, era reconhecidamente um evento importante no calendário estivo da cidade. Afinal a comemoração da independência na Bahia proporcionava a diversão. Festejar a vitória dos brasileiros sobre os portugueses significava entretenimento nos sofisticados parques armados no campo grande, nas barracas de jogos, nos saraus dançantes, nos bailes populares e rodas de samba. (Wlamyra, 2006 p. 128)



O orgulho de nosso passado ainda hoje ameniza os problemas sociais existentes em nossa cidade. A festa, além de seu caráter cultural e histórico, reúne elementos que podem ser transformados e utilizados com propriedade pela atividade turística. Neste caso, faz-se necessária a divulgação deste festejo em nível nacional, já que o dois de julho reúne fatores importantes a serem refletidos por toda a população brasileira como: o que é programado e o que é espontâneo em comemorações como esta, eruditos e pessoas simples convivendo harmoniosamente e, sobretudo, como as pessoas podem encontrar sua identidade por meio de uma afirmação sócio-cultural espelhada em uma festa feita pelo povo e para o povo.




Textos e Fotos: Ana Carla Nunes (festasdabahia@festasdabahia.com)
Revisão Textual: Beatriz Badim (www.quartetoemcyeafins.blogspot.com)
Agradecimentos Especias: Raquel Avila (Registros históricos do cortejo)

LEITURAS RECOMENDADAS:

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. 318 p.

AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos: guia das ruas e dos mistérios da cidade de Salvador. São Paulo: Martins, 1945.

DICAS para ver o desfile do caboclo. A Tarde, Salvador, 01 jun. 2008, p.8
LEAL, Geraldo da Costa. Salvador dos contos, cantos e encantos. Salvador: Gráfica Santa Helena, 2000.

VIANA HILDEGARDES. Calendário de festas populares da Cidade do Salvador. Salvador: EGBA, 1983. 43 p. Publicação da Prefeitura Municipal do Salvador.

VIANNA, Hildegardes. Festas de Santos e Santos festejados. Bahia: Progresso, 1960.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

HISTÓRIAS DE SALINAS DA MARGARIDA, CAIRÚ, TAPEROÁ E SALVADOR.

A ORIGEM E AS FESTAS DO BAIRRO DO SANTO ANTONIO ALÉM DO CARMO: UMA PARTE SIGNIFICATIVA DA HISTÓRIA DA BAHIA.

MESTRES DOS SABERES E DIFUSÃO DO CONHECIMENTO - PAIXÕES DAS MINHAS PESQUISAS!